Governo eletrônico e a Lei de Acesso à Informação (LAI)
NO CONTEXTO DO FORTALECIMENTO DO CONTROLE SOCIAL E ENFRENTAMENTO DA CORRUPÇÃO NO BRASIL
Por André Afonso Tavares dia em Artigos Jurídicos
Autor:
André Afonso Tavares: Mestrando do Programa de Pós-Graduação/Mestrado em Direito da UNESC. Membro do Núcleo de Estudos em Estado, Política e Direito (NUPED/UNESC) Especialista em Direito Público e em Auditoria Governamental. Graduado em Direito e em Ciências Contábeis. Graduando em Engenharia de Software. Advogado. Contador. Endereço eletrônico: afonsotavares.andre@gmail.com
1. INTRODUÇÃO
A corrupção é uma patologia que infelizmente se encontra enraizada na sociedade desde que o homem passou a se estruturar como sociedade e delinear sistemas de governo e Estado bem definidos.
No Brasil, é verdade que se vislumbra registros na história de tal prática doentia desde o seu descobrimento e o início da colonização portuguesa. Contudo, atualmente, após 196 anos do chamado “grito do Ipiranga” e a independência do país em 07 de setembro 1822, atribuir à coroa portuguesa às causas das mazelas existentes em território brasileiro parece ter mais sentido, já que possuímos Estado e governo totalmente soberano e independente para diagnosticar e tratar as patologias existentes na gestão pública, por meio de mecanismos de controle extremamente definidos e encarregados de competência para fiscalização.
O discurso de atribuição às raízes da corrupção à herança portuguesa não mais contribuem para o combate à corrupção nos dias atuais, sendo que devemos assumir as responsabilidades advindas da independência do país e encarar as falhas em nosso atual modelo de gestão pública e, assim, enfrentar a corrupção de forma efetiva, madura e inteligente.
Nesse diapasão, os sistemas de controle da gestão pública realizam importante papel no enfrentamento da corrupção, sendo que pode ser exercido de três formas distintas: internamente, por meio de mecanismos inseridos na estrutura interna de cada Ente Público, denominado de Controle Interno, tal como aquele realizado pela Controladoria Geral da União, órgão de controle interno no âmbito federal; externamente, por meio de fiscalização realizada por órgão fiscalizador externo ao Ente Público fiscalizado, denominado de Controle Externo, tal como aquele que é realizado pelos Tribunais de Contas dos Municípios, onde houver, dos Estados e da União; e, por fim, através da fiscalização realizada pela sociedade ou cidadão, denominado de Controle Social ou Cidadão, com uso de ferramentas e instrumentos próprios, tais como pedido de acesso à informação, auditoria social ou cidadã, mandado de segurança individual ou coletivo, ação popular e ação civil pública, na forma da lei.
O controle social ou cidadão, assim entendido como a participação do cidadão na fiscalização da gestão pública, se estruturado e manuseado corretamente, configura poderoso mecanismo de prevenção e enfretamento à corrupção e demais patologias do setor público, bem como de fortalecimento e enriquecimento da cidadania e democracia.
Contudo, para que os cidadãos possam desempenhá-lo de maneira realmente efetiva, faz-se necessária a disponibilização de diversas informações de caráter público, de natureza contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial por meio do instituto da transparência pública, introduzido pela Lei n. 12.527, de 2011, também conhecida por Lei de Acesso à Informação, trazendo regulamentação ao artigo 5º, inciso XXXIII, da Constituição Federal.
Tal diploma legal configurou grande avanço no tocante à Transparência da Gestão Pública, entretanto, há muito ainda o que se avançar até que se possa alcançar o nível de transparência adequado e atenda as necessidades informacionais necessárias para a efetiva fiscalização das receitas e despesas públicas pela Sociedade ou pelo Cidadão.
Nesse contexto, tem-se que o conjunto de informações necessárias estaria suprido por um modelo efetivo de Governo Eletrônico com ênfase no Controle Social ou Cidadão.
Governo Eletrônico com ênfase no Controle Social ou Cidadão, consoante será mais bem apresentado posteriormente, trata da atuação do Estado, por meio de recursos de tecnologia da informação e comunicação (TIC), no meio eletrônico ou digital, atento às necessidades informacionais para exercício do controle social ou cidadão.
Tais recursos, se utilizados de forma a privilegiar o exercício de Controle Social ou Cidadão, configuraria em verdadeira arma letal ao enfrentamento às mazelas da gestão pública, e, especialmente, à corrupção, permitindo realização de auditorias sociais/cidadãs e a proposição das respectivas medidas cabíveis, no caso de constatação de irregularidades e/ou desvios.
2. ASPECTOS ATINENTES AO ENFRENTAMENTO DA CORRUPÇÃO NO BRASIL
2.1. As raízes da corrupção no Brasil
O combate à corrupção, seja no Brasil ou no exterior, na esfera pública ou privada, deve passar, sem dúvidas, pela análise de suas raízes, para que, ao fim, possamos diagnosticar completamente as causas dessa desastrosa doença e eliminá-la, ao máximo, do sistema que está infectado.
No atual sistema de gestão pública brasileiro não poderia ser diferente, sendo que, nesse diapasão, vale ressaltar as palavras de FURTADO (2015, p. 18-19) quanto às raízes da corrupção no Brasil e necessidade de assumir inteiramente a responsabilidade de suas falhas na luta contra a corrupção:
As raízes da corrupção brasileira não mais se encontram em nosso passado colonial, ou em características da personalidade do brasileiro. Não se pode atribuir à herança de Portugal culpa por não ter o Brasil conseguido, até os dias atuais, superar as dificuldades relacionadas ao combate à corrupção. Discordaremos, portanto, da visão dominante de que os elevados índices de corrupção praticados no Brasil, que de acordo com a Transparência Internacional ocupa da septuagésima colocação no ranking dos países mais corruptos, com índice de 3,3 de percepção de corrupção[1], estão vinculados ao passado ou à identidade do brasileiro e que não podem, portanto, ser superados.
A formação cultural brasileira herdada de Portugal pode ser apontada como a causa dominante e efetiva de diversas mazelas sociais – entre elas a corrupção – verificadas no Brasil ao logo dos séculos XVIII e XIX.
Tendo o Brasil se tornado independente de Portugal em 1822, portanto há quase dois séculos, insistir em atribuir à formação cultural decorrente do período colonial a causa para os elevados índices de corrupção ainda hoje verificados constitui fuga da realidade e tentativa de esconder os verdadeiros motivos e reais beneficiários dos tão comuns desvios e fraudes praticados ao longo do século XX e que se perpetuam neste início de século XXI.
Atribuir, ainda nos dias atuais, à herança portuguesa a culpa pelas deficiências em nossa formação cultural e considerá-la a principal causa da corrupção brasileira interessa apenas àqueles que se beneficiam das fraudes e dos desvios dos fundos públicos – entre os quais certamente não mais se incluem a monarquia ou a aristocracia portuguesas.
Nessa linha de pensamento, FURTADO (2015, p. 18-19) elenca como principais causas da corrupção no Brasil o formato atual do sistema jurídico administrativo e as falhas nas estruturas dos diversos órgãos e entidades da organização administrativa brasileira, que resulta em excesso de oportunidades para desviar recursos públicos, bem como na atual sensação de impunidade dos corruptos:
Defenderemos a tese de que a principal causa para os elevados níveis de corrupção identificados no Brasil – corrupção que constitui, ao mesmo tempo, causa e efeito das inúmeras fragilidades econômicas, sociais e políticas nacionais – reside, em primeiro lugar, em nosso sistema jurídico administrativo e que, portanto, a superação dessas deficiências dependeria tão somente da vontade política para identificar essas vulnerabilidades vigentes na legislação brasileira, especialmente no campo do Direito Administrativo, e de corrigir as falhas nas estruturas dos diversos órgãos e entidades da organização administrativa brasileira.
O segundo aspecto que contribui para a manutenção dos elevados níveis de corrupção no Brasil reside, certamente, [...] na certeza da impunidade, dado que são raros os casos de punição daqueles que se locupletaram com fundos públicos.
Excesso de oportunidades para desviar recursos públicos e certeza da impunidade, e não a formação moral ou cultural do povo brasileiro, constituem as reais causas para a manutenção da corrupção em elevados patamares (grifamos).
Desta forma, vislumbra-se que o discurso de atribuição às raízes da corrupção à herança portuguesa não mais contribuem para o enfretamento da corrupção nos dias atuais, sendo que devemos assumir urgente e de uma vez a responsabilidade advinda da independência do país, identificar as falhas e desvios de nosso atual modelo de gestão pública e, assim, desencadear um enfrentamento à corrupção de forma mais efetiva, madura e inteligente.
2.2. O que é a corrupção, suas características e seus efeitos
A conceituação concreta da corrupção é tarefa árdua e complexa, pois os atos que materializam a sua essência podem se revestir de diferentes formas, de acordo com a criatividade do corrupto e o ambiente em que está inserido, sendo que novas formas de corromper são confeccionadas a todo o momento, tal como um vírus que se adapta e sofre mutação em um corpo já vacinado.
A dificuldade na elaboração de uma definição acabada e definitiva da corrupção pode ser igualmente verificada por meio da sua relação com a lavagem de ativos. Embora sejam fenômenos distintos, estão interligados, haja vista que a utilização de mecanismos desenvolvidos para combater a lavagem de dinheiro constitui importante instrumento para a prevenção da corrupção (FURTADO, 2015, p. 29).
Por outro lado, a doutrina elenca alguns aspectos que sintetizar as principais definições dadas para a corrupção: Nesse contexto, pontua que:
Historicamente, o termo corrupção tem sido utilizado para designar distintas situações.
Não obstante sejam inúmeras as tentativas de definição propostas, é possível identificar na doutrina a existência de três diferentes aspectos que se destacam na formulação dessas definições:
- o primeiro aspecto dá importância ao descumprimento dos deveres dos servidores públicos e, portanto, à idéia de desvio da função pública;
- segundo critério, de caráter eminentemente economicista, dá ênfase à relação entre oferta e demanda e à utilização dos meios anormais para a intermediação dos processos econômicos;
- o terceiro critério define a corrupção em razão do interesse público. (FURTADO, 2015, p. 27-28).
Convém ressaltar, nesse diapasão, que, nas palavras de FURTADO (2015, p. 41-42) a identificação da corrupção, ou do que seja um ato corrupto, requer a presença das seguintes características: importar em abuso de posição, haver a violação de um dever previsto em um sistema normativo que sirva de referência, estar vinculado à expectativa de obtenção de um benefício “extraposicional”, não necessariamente de natureza pecuniária ou econômica, e, por fim, o sigilo.
Quanto aos efeitos e suas conseqüências, a corrupção, da mesma que pode se manifestar por diferentes maneiras ou formas (pagamento de subornos, financiamento ilegal de campanhas políticas, tráfico de influência, utilização de informações privilegiadas, obtenção de favores, etc), ela produz efeitos de diversas ordens, e, em razão da globalização, esses efeitos não mais se restringem às fronteiras do país onde tenha ocorrido. Os efeitos podem ser de ordem política (sob a ótica dos partidos políticos ou em relação à atuação dos políticos eleitos e de sua atuação no exercício dos seus mandatos). ordem econômica ou social (relacionado à pobreza das nações); de ordem administrativa (com enfoque na máquina administrativa e nos servidores nela inseridos) (FURTADO, 2012, p. 44-54).
2.3. Indícios de corrupção na gestão pública
A corrupção é uma patologia em que os sintomas podem, numa análise mais superficial, não demonstrar correlação, mas, certamente, se analisados por meio de exame profundo, encontrar-se-á esse mal arraigado na gestão pública corrupta.
A associação Amigos Associados de Ribeirão Bonito – AMARRIBO, em estudo denominado o combate à corrupção nas prefeituras do Brasil, listou alguns sinais que, apesar de não determinarem por si só a existência de corrupção, caso existentes, devem merecer atenção especial dos sistemas de controle, quais sejam:
a) histórico comprometedor da autoridade eleita e de seus auxiliares;
b) falta de transparência nos atos administrativos e financeiros;
c) apoio de grupos suspeitos de práticas de crimes e irregularidades;
d) subserviência do Legislativo e dos Conselhos Municipais;
e) baixo nível de capacitação técnica dos colaboradores e ausência de treinamento de funcionários públicos;
f) alheamento da comunidade do processo orçamentário (AMARRIBO, 2012, p. 27).
Além disso, a associação alerta para algumas atitudes tomadas pelas administrações e certos comportamentos das autoridades municipais que podem ser caracterizados como sinais da existência de desvios de recursos, sendo que a observação mais atenta é um meio eficaz de detectar indícios típicos da existência de fraude na administração publicas:
a) Sinais Exteriores de Riqueza ou Enriquecimento desarrazoáveis ou desproporcionais;
b) Resistência das Autoridades a prestar contas;
c) Falta Crônica de Verba;
d) Parentes e Amigos aprovados em Concursos;
e) Falta de Publicidade dos Pagamentos efetuados;
f) Transferências de Verbas Orçamentárias;
g) Perseguição a Vereadores Honestos (AMARRIBO, 2012, p. 28-38).
Destaca-se que tais sinais e indícios não comprovam por si só a existência de corrupção, a qual deve ser devidamente apurada e comprovada pelos órgãos de Controle governamentais ou, então, pelo exercício de Controle Social, consoante se busca demonstrar a seguir.
3. O CONTROLE SOCIAL OU CIDADÃO DA GESTÃO PÚBLICA
Urge salutar, inicialmente, que a fiscalização governamental da gestão pública possui status constitucional, uma vez que prevista no artigo 70, caput, da Carta Magna, o qual dispõe que “a fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da União e das entidades da administração direta e indireta, quanto à legalidade, legitimidade, economicidade, aplicação das subvenções e renúncia de receitas, será exercida pelo Congresso Nacional, mediante controle externo, e pelo sistema de controle interno de cada Poder”.
Por outro lado, a possibilidade de fiscalização direta pelo cidadão ou sociedade decorre do conjunto de princípios e regras adotadas pela Constituição da República do Brasil, conforme de vislumbra, especialmente, pelo conteúdo do seu artigo 1º, ao trazer no seu inciso II, como Fundamento da República, a Cidadania, bem como da disposição do seu parágrafo único, ao declarar que todo o poder emana do povo, que pode exercê-lo diretamente, nos termos da Constituição, e, ainda, pelo disposto no seu artigo 5º, inciso XXXIII, o qual declara que “todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado”.
Percebe-se, deste modo, que o controle da gestão pública pode ser exercido de três formas distintas: internamente, por meio de mecanismos inseridos na estrutura interna de cada Ente Público, denominado de Controle Interno, tal como aquele realizado pela Controladoria Geral da União, órgão de controle interno no âmbito federal; externamente, por meio de fiscalização realizada por órgão fiscalizador externo ao Ente Público fiscalizado, denominado de Controle Externo, tal como aquele que é realizado pelos Tribunais de Contas dos Municípios, onde houver, dos Estados e da União; e, por fim, através da fiscalização realizada pela sociedade ou cidadão, denominado de Controle Social ou Cidadão, com uso de ferramentas e instrumentos próprios, tais como pedido de acesso à informação, auditoria social ou cidadã, mandado de segurança individual ou coletivo, ação popular e ação civil pública, na forma da lei.
Os controles externos e internos estão previstos na estrutura da Administração Pública, consoante se depreende do texto da Carta Magna, em seu artigo 70, ao dispor que “a fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da União e das entidades da administração direta e indireta, quanto à legalidade, legitimidade, economicidade, aplicação das subvenções e renúncia de receitas, será exercida pelo Congresso Nacional, mediante controle externo, e pelo sistema de controle interno de cada Poder”.
O controle social ou cidadão, assim entendido como a participação do cidadão na fiscalização da gestão pública, se estruturado e manuseado corretamente, configura poderoso mecanismo de prevenção e enfretamento à corrupção e demais patologias do setor público, bem como de fortalecimento e enriquecimento da cidadania e democracia.
Acerca da importância do exercício da cidadania no enfretamento da corrupção, destaca-se as palavras da AMARRIBO (2012, p 13):
O exercício da cidadania requer indivíduos que participem cotidianamente na vida de sua cidade. Organizados para alcançar o desenvolvimento da comunidade onde vivem, devem exigir inicialmente comportamento ético dos ocupantes dos poderes constituídos e eficiência na gestão dos serviços públicos. Uma das obrigações mais importantes do cidadão é não aceitar ser vítima da corrupção.
No Brasil, a preocupação em se estabelecer um controle social forte e atuante torna-se ainda maior, em razão da sua dimensão territorial e do grande número de municípios existentes, sendo que atualmente totaliza 5.570 municípios, de acordo com dados do IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística[2].
Assim, o controle social revela-se como complemento indispensável ao controle institucional, exercido pelos órgãos fiscalizadores, por meio dos mecanismos de fiscalização interna e externa.
Ressalta-se que, em âmbito municipal, o controle social ou cidadão torna-se ainda mais indispensável em razão de os órgãos de controle externo responsáveis pela fiscalização das contas municipais, especialmente, os Tribunais de Contas dos Estados[3], os quais acumulam a fiscalização da gestão estadual e dos municípios em seus territórios, estarem localizados nas capitais e acabam ficando, em razão da distância física em relação ao ente público fiscalizado, enfraquecidos quanto ao controle da gestão municipal, sendo que a Constituição Federal, em seu artigo 31, parágrafo 4º, vedou a criação de Tribunais de Contas Municipais.
O controle social ou cidadão, assim entendido como a participação do cidadão na fiscalização da gestão pública, se estruturado e manuseado corretamente, configura poderoso mecanismo de prevenção e enfretamento à corrupção e demais patologias do setor público, bem como de fortalecimento e enriquecimento da cidadania e democracia.
Ocorre que para efetivação do exercício do Controle Social, faz-se necessária a elevação do nível de transparência adequado e que atenda as necessidades informacionais necessárias para a efetiva fiscalização das receitas e despesas públicas pela Sociedade ou pelo Cidadão.
Nesse contexto, tem-se que o conjunto de informações necessárias estaria suprido por um modelo efetivo de Governo Eletrônico com ênfase no Controle Social ou Cidadão.
Governo Eletrônico com ênfase no Controle Social ou Cidadão, trata da atuação do Estado, por meio de recursos de tecnologia da informação e comunicação (TIC), no meio eletrônico ou digital, atento às necessidades informacionais para exercício do controle social ou cidadão.
4. LEI DE ACESSO À INFORMAÇÃO E O GOVERNO ELETRÔNICO
Importante destacar em matéria de Transparência e Acesso às informações e documentos necessários à realização da fiscalização da gestão pública, seja de natureza contábil, financeira, orçamentária, operacional ou patrimonial, a importância da Lei n. 12.527, de 2011, também conhecida por Lei de Acesso à Informação, a qual trouxe regulamentação ao artigo 5º, inciso XXXIII, da Constituição Federal.
Embora exista muito ainda o que se avançar até que se possa alcançar o ideal de Governo Eletrônico que atenda às necessidades informacionais necessárias para a efetiva fiscalização das receitas e despesas públicas pela Sociedade ou pelo Cidadão, o aludido diploma legal configurou grande avanço no tocante à Transparência da Gestão Pública.
Tal necessidade de avanço se justifica em grande parte em razão de que a Lei de Acesso à Informação, em seu artigo 8º, parágrafo 1º, e incisos, obriga, de forma insuficiente, os documentos e informações que devem ser disponibilizadas regularmente pelos canais de informação do Ente Público.
Não se desconhece da possibilidade de requerimento pelo cidadão de qualquer informação de natureza pública que não esteja regularmente disponibilizada, entretanto, na prática, acontece dos Entes Públicos, especialmente na esfera municipal, não atenderem tempestivamente e/ou integralmente aos pedidos realizados, o que acaba impossibilitando o exercício de controle social e auditoria cidadã.
Diante da situação atual, observa-se o exaurimento do potencial de exercício de controle social e a auditoria cidadã por ficar dependente da vontade do Ente Público em contribuir com o fornecimento das informações e documentos necessários.
Assim, defende-se aqui a proposição de um modelo efetivo de Governo Eletrônico pautado na Transparência Pública que forneça diversas informações e documentos necessários para o exercício de Controle Social e realização de Auditoria Cidadã.
Quanto ao termo Governo Eletrônico, importante trazer os ensinamentos dados por RUEDIGER (2002, p. 30):
o termo governo eletrônico tem foco no uso das novas tecnologias de informação e comunicação (TIC) aplicadas a um amplo arco das funções de governo e, em especial, deste para com a sociedade. Em termos gerais pode-se pensar nas seguintes relações sustentadas pelo governo eletrônico: 1) aplicações web com foco para o segmento governo-negócio (G2B); 2) aplicações web voltadas para a relação governo-cidadão (G2C); e 3) aplicações web referentes a estratégias governo-governo (G2G). Em conjunto, tecnicamente, o governo eletrônico, além de promover essas relações em tempo real e de forma eficiente, poderia ainda ser potencializador de boas práticas de governança e catalisador de uma mudança profunda nas estruturas de governo, proporcionando mais eficiência, transparência e desenvolvimento, além do provimento democrático de informações para decisão. Se esse potencial será efetivado, dependerá das decisões e desenhos de diversas políticas de médio e longo prazo delineadas nos próximos anos para esse campo. Porém, certamente, seu sucesso em sobrepujar problemas como, por exemplo, o da chamada “falha do governo”, relativa aos custos de obtenção de informações, estará condicionado a uma compreensão complexa de que o governo eletrônico, que mais do que um provedor de serviços on-line, poderá ser, sobretudo, uma ferramenta de capacitação política da sociedade.
Portanto, considerando os recursos tecnológicos trazidos pela Tecnologia da Informação e Comunicação, verifica-se ser possível a instituição de Governo Eletrônico voltado para Transparência Pública e Controle Social, que atenda as necessidades informacionais do cidadão ou sociedade interessada em fiscalização a gestão pública, e, especialmente, no caso em tela, as despesas públicas acerca de obras contratadas pela Administração Pública.
5. GOVERNO ELETRÔNICO E A LEI DE ACESSO À INFORMAÇÃO NO CONTEXTO DO FORTALECIMENTO DO CONTROLE SOCIAL E DO ENFRENTAMENTO À CORRUPÇÃO
Consoante dito nos tópicos acima, a Lei de Acesso à Informação representou importante avanço na questão da transparência das informações públicas.
Ocorre que o nível de efetividade desta Lei ainda está muito longe do ideal, na medida em que muitas administrações públicas ainda oferecem grande resistência ao fornecimento integral de documentos essenciais para o exercício de controle social no contexto da fiscalização dos recursos públicos.
A Lei, apesar de trazer regras de transparência ativa, as quais exigem um mínimo a ser disponibilizado voluntariamente pela administração pública, não oferece nenhuma sanção prática aos gestores que descumprem os termos da lei ou impedem o seu acesso.
Contra atos de negativa de acesso às informações públicas, sabe-se ser possível o ajuizamento de Mandado de Segurança, porém, em muitos casos, tem-se negado a concessão de liminares sob a justificativa de não comprovação de urgência ou perigo da demora, o que faz com que se tenha que aguardar decisão de provimento final para satisfazer a pretensão resistida.
Observa-se que a fundamentação no sentido de que não restou comprovado a urgência ou perigo da demora é totalmente equivocada nesses casos em que há omissão em fornecer a informação ou documento público, já a necessidade do seu acesso imediato se daria justamente para averiguar determinada situação suspeita ou possivelmente irregular, a qual restou prejudicada justamente pelo não atendimento da solicitação de acesso às informações e documentos.
Por isso, entende-se que no caso de omissão de fornecimento de informação ou documento público no prazo legal, a urgência é por si só justificada de forma reversa, já que o seu não pronto atendimento poderia adiar futuro descobrimento de irregularidade e, por conseguinte, prolongar eventual desvio ou desperdício de dinheiro público, sendo que, caso futuramente não se comprove nenhum dano ou irregularidade ao erário, nenhum prejuízo teria o ente público que teve que fornecer antecipadamente as informações, já que, em última análise, as informações deveriam ter sido fornecidas de qualquer maneira, nos termos da lei de acesso à informação.
Assim, uma informação que deveria ser fornecida, nos termos da artigo 10, parágrafos 1º e 2º da denominada Lei de Acesso à Informação, em no máximo 20 (vinte) dias, prorrogáveis por 10 (dez), desde que justificado, sem a concessão de liminar de antecipação de tutela, acaba demorando meses ou até ano, esvaziando totalmente a efetividade da Lei de Acesso à informação e seus objetivos.
Acredita-se que não se pode esperar uma mudança de comportamento dos gestores, no sentido de que passem milagrosamente a atender com mais celeridade e presteza aquilo que lhe é solicitado o acesso.
Desta forma, defende-se a delineação de um conjunto de informações e dados públicos necessários ao controle social da gestão do dinheiro público, seja no âmbito das contratações públicas, recursos humanos, saúde, educação, segurança pública, infraestrutura, etc.
Exemplificativamente, destaca-se resultado de pesquisa realizada pelo autor deste artigo, em sede de trabalho científico para a conclusão do Curso de Graduação em Ciências Contábeis, a qual teve a finalidade de trazer maior detalhamento acerca dos documentos e informações necessárias a efetiva verificação da regularidade de despesa pública efetuada com obra pública contratada pela Administração Pública por meio de Controle Social e Auditoria Cidadã, resultante de análise de processos de auditorias in loco efetuadas pelo Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina envolvendo despesa pública com obra pública.
Tal pesquisa constatou que a necessidade de obter as seguintes informações e documentos e seu respectivo interior teor: Nota de empenho, Edital de Licitação com Anexos incluindo Projeto Básico, Projeto Executivo, Orçamento em Planilhas de Quantitativos e Preços Unitários, Minuta de Contrato, Especificações Complementares; Ata de Recebimento e Abertura de Documentação; Ata de Julgamento de Propostas; Termo de Homologação e Adjudicação do processo licitatório; Proposta com Orçamento básico detalhado da Obra, Contrato Administrativo Firmado, Boletins de Medições, Ordens de Pagamentos, Notas Fiscais, Laudo de Vistoria. Termo Aditivo, Dispensa de Licitação, Registros Fotográficos, Autorização de Fornecimento[4].
Pois bem, analisando o que dispõe o artigo 8º, parágrafo 1º, da Lei n. 12.527/2011, percebemos que a legislação apenas exige, no tocante à realização de obra pública, que seja regularmente disponibilizado o registro das despesas (inciso III), informações concernentes a procedimentos licitatórios, inclusive os respectivos editais e resultados, bem como a todos os contratos celebrados (inciso IV), e os dados gerais para o acompanhamento das obras de órgãos e entidades (inciso V).
O restante das informações necessárias para o exercício da fiscalização social resta dependente de requerimento do cidadão e do atendimento da entidade fiscalizada, o que, por sua vez, sabe-se que não se costuma atendê-los de forma tempestiva e integral, tendo o cidadão, inclusive, que se valer de medidas judiciais, sendo que, muitas vezes, devido à dificuldade enfrentada, acaba por desistir da fiscalização pretendida.
Tal situação vem ao encontro do denominado Governo Eletrônico atento a essa necessidade e que forneça, por meio de ampla transparência ativa, esse conjunto de informações necessárias para possibilitar o exercício efetivo do Controle Social ou Cidadão voltado ao combate à corrupção.
Nessa linha, transcreve-se o registrado por FUGINI, MAGGIOLINI E PAGAMICI (apud LIINKANEN, 2005, p. 308) quanto às possibilidades advindas da adoção de um governo eletrônico atento ao Controle Social:
[...] em primeiro lugar o governo-eletrônico deveria tornar possível para os cidadãos acompanhar aquilo que fazem o seus governos centrais, estaduais e locais, participar dos processos decisórios desde suas fases iniciais, verificar que o dinheiro público seja bem gasto.
O governo-eletrônico deveria ser um meio para realizar o Governo aberto: “o Governo-eletrônico deveria ajudar a fazer funcionar melhor a democracia”.
Esta afirmação refere-se ao incremento da participação e do comprometimento democráticos. Os passos dos processos de decisão deveriam ser visíveis e transparentes.
“Governo aberto”, portanto, significa também um aumento da transparência e da responsabilidade. A transparência e a abertura são importantes, não somente por causa dos mecanismos democráticos de controle da responsabilidade. É também uma necessidade econômica combater a corrupção e as fraudes. A TIC é particularmente adequada para aumentar a transparência. (grifamos)
Ainda, quanto ao sucesso e efetividade do uso das tecnologias da informação e adoção de Governo Eletrônico, são as observações de DA SILVA E ROVER (2017, p. 341):
O governo eletrônico tem obtido sucesso em muitos países, pois utiliza as tecnologias de informação e comunicação para buscar a participação do contribuinte. Com estas TICs o Governo atende de forma mais efetiva os cidadãos que procuram auxiliar o Governo com a identificação dos problemas, a busca pelas soluções e nas prioridades de aplicação dos recursos.
Os observatórios de segurança pública são uma clara demonstração de que as TICs podem ajudar nas estratégias de prevenção e combate a criminalidade. A sociedade está ávida por soluções e quer participar de forma efetiva nas políticas de segurança pública. Portanto, basta o Governo se preparar para interagir com seus cidadãos e o governo eletrônico é a forma ideal para que se mude drasticamente o jeito de governar.
Destarte, as possibilidades advindas da utilização dos recursos da Tecnologia da Informação e Comunicação - TIC na gestão pública e de forma a privilegiar o exercício de Controle Social ou Cidadão, configura verdadeira arma letal ao enfrentamento às mazelas da gestão pública, e, especialmente, à corrupção, permitindo realização de auditorias sociais/cidadãs e a proposição das respectivas medidas cabíveis, no caso de constatação de irregularidades e/ou desvios.
5. CONCLUSÃO
Consoante restou exposto ao longo do presente artigo, a corrupção é uma patologia que infelizmente se encontra enraizada na sociedade desde que o homem passou a se estruturar como sociedade e delinear sistemas de governo e Estado bem definidos.
Nesse diapasão, os sistemas de controle da gestão pública realizam importante papel no enfrentamento da corrupção, sendo que pode ser exercido de três formas distintas: internamente, por meio de mecanismos inseridos na estrutura interna de cada Ente Público, denominado de Controle Interno, tal como aquele realizado pela Controladoria Geral da União, órgão de controle interno no âmbito federal; externamente, por meio de fiscalização realizada por órgão fiscalizador externo ao Ente Público fiscalizado, denominado de Controle Externo, tal como aquele que é realizado pelos Tribunais de Contas dos Municípios, onde houver, dos Estados e da União; e, por fim, através da fiscalização realizada pela sociedade ou cidadão, denominado de Controle Social ou Cidadão, com uso de ferramentas e instrumentos próprios, tais como pedido de acesso à informação, auditoria social ou cidadã, mandado de segurança individual ou coletivo, ação popular e ação civil pública, na forma da lei.
O controle social ou cidadão, assim entendido como a participação do cidadão na fiscalização da gestão pública, se estruturado e manuseado corretamente, configura poderoso mecanismo de prevenção e enfretamento à corrupção e demais patologias do setor público, bem como de fortalecimento e enriquecimento da cidadania e democracia.
A Lei n. 12.527, de 2011, também conhecida por Lei de Acesso à Informação, trazendo regulamentação ao artigo 5º, inciso XXXIII, da Constituição Federal, trouxe importante avanço no tocante à Transparência da Gestão Pública, entretanto, há muito ainda o que se avançar até que se possa alcançar o nível de transparência adequado e atenda as necessidades informacionais necessárias para a efetiva fiscalização das receitas e despesas públicas pela Sociedade ou pelo Cidadão.
O conjunto de informações necessárias estaria suprido por um modelo efetivo de Governo Eletrônico com ênfase no Controle Social ou Cidadão, o qual, por sua vez, trata da atuação do Estado, por meio de recursos de tecnologia da informação e comunicação (TIC), no meio eletrônico ou digital, atento às necessidades informacionais para exercício do controle social ou cidadão.
Tais recursos, se utilizados de forma a privilegiar o exercício de Controle Social ou Cidadão, configuraria em verdadeira arma letal ao enfrentamento às mazelas da gestão pública, e, especialmente, à corrupção, permitindo realização de auditorias sociais/cidadãs e a proposição das respectivas medidas cabíveis, no caso de constatação de irregularidades e/ou desvios.
REFERÊNCIAS
AMARRIBO – Amigos Associados de Ribeirão Bonito. O Combate à Corrupção nas prefeituras do Brasil. 5 ed. São Paulo: Cultural, 2012.
CONSTITUIÇÃO FEDERAL. BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em 04 maio 2018.
DA SILVA, Edson Rosa Gomes. ROVER, Aires José. O Governo Eletrônico como Política Pública Participativa com os Observatórios Sociais. Disponível em: https://www.researchgate.net/publication/266037752_O_GOVERNO_ELETRONICO_NO_SUPORTE_AS_POLITICAS_PUBLICAS_COM_ACOES_PARTICIPATIVAS_OBSERVATORIOS_DE_SEGURANCA_PUBLICA> Acesso em 10 set 2018.
FUGINI, M. G.; MAGGIOLINI, P. PAGAMICI, B.. Por que é difícil fazer o verdadeiro "Governo-eletrônico". Prod. [online]. 2005, vol.15, n.3, pp.300-309. ISSN 0103-6513. http://dx.doi.org/10.1590/S0103-65132005000300002.
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RUEDIGER, Marco Aurelio. Governo Eletrônico e Democraria – uma análise preliminar dos impactos e potencialidades na gestão pública. XXVI ENANPAD, Salvador, setembro/dezembro, 2002.
[1] Disponível em: <http://www.transparency.org/policy_research/surveys_indices/cpi/2006>.
[2] IBGE. Disponível em: <ftp://geoftp.ibge.gov.br/organizacao_do_territorio/estrutura_territorial/divisao_territorial/2016/> Acesso em 03 set 2018.
[3] O poder legislativo municipal apesar de também possuir atribuição para fiscalização da gestão municipal, na maioria dos casos, tem-se demonstrado pouco atuante no combate indiscriminado à corrupção, servindo não raramente a interesses políticos ou eleitorais de opositores.
[4] Foram pesquisados os processos de auditoria n. RLA 08/00769201, RLA 08/00360907, RLA 08/00472624 , os quais se encontram disponíveis de forma pública no sítio do Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina por meio de acesso ao endereço eletrônico: http://servicos.tce.sc.gov.br/processo/.